

Lulu do Canavial e o milagre de Natal
Parte VII – O ringue no shops
Por Luciene Garcia
Inhaim?
Não dormi à noite. Um ladrão tentou roubar uma galinha minha e foi aquele “temdepá”. Eu peguei uma vassoura e saí no quintal. O bandido estava lá. “Voiu chamar a polícia”. O fdp falou: “pode chamar”. E ficou de tocaia do lado de fora de casa. Chamei no 190. “Olha, tem um vagabundo querendo roubar minhas galinhas. Aqui é Rua da Música Aquática, 501 – Praça dos Enfartados”. Demoraram a chegar. E o meu louro “vai tomar no cu, vai tomar no cu”, A Nininha latindo, O Tedão relinchando, um inferno. Até que a polícia chegou. O malandro se picou, mas levou uma galinha gorda que botava que era uma beleza. “A senhora quer fazer BO”? Pensei: “Eu não uso OB eu uso é “modis”, e nem tô de chico. Foi uma noite do cão. Não dormi uma gota. E cedo eu tinha que pegar o busão e ir pra ir pra cidade dos Besta’s Shopping, em Franca (shops sem cobertura, nunca vi). Taquei maquiagem pra disfarçar a olheira, me troquei, peguei a frasqueira e fui pra rodoviária.
Um calor da porra. No ônibus fui pensando: e aquele algodão que imita neve? Papai Noel é de frio e aqui é o inferno quando ele vem. O busão tava lotado (como sempre) e sentou do meu llado um “homi” que era puro cecê., gordo. Pobre sofre demais. Eu sou pobre, mas sou limpinha. Uso leite de rosas com “bicarbonati” embaixo do sovaco para não feder. Demorou a chegar. E eu morrendo de sono. Se aquele Papai Noel desgraçado não me obedecesse eu ia dar umas porradas nele. Fico boa sem sono não. Cheguei no Besta’s e fui me trocar no banheiro. E põe cinta modeladora, aquela roupa infernal, aquele gorro fedido. Vida de cão ser pajem de Papai Noel e de criancinhas. Mas eram 800 mangos. Outra coisa: eu tinha dado, tô é no lucro.
Fui me encontrar com as colegas. Tudo com cara de azeda. Quer saber? Vai a pqp. O Papai Noel estava com cara de quem tinha pitado um maço de “paiêro”. “Oi, velho ranzinza” (ele era surdo, não ia escutar mesmo”. “Lulu, minha Mamãe Noel preferida” e me deu um beliscão na bunda. Ainda por cima era tarado. E criancinha chegando, tira foto (ri, desgraçado, pergunta o que quer ganhar do Papai Noel). O velho era uma múmia.
A árvore com a cadeira do Papai Noel ficava em frente a uma joalheria. Tinha umas biscates até ajeitadas olhando minha pessoa e me apontando. Eu sou “muié de risca-faca. Não levo desaforo para casa”. Essas pobretonas da periferia que trabalham por R$ 900 mais vale transporte tão se achando. Não mexe comigo que eu ponho o nome delas lá no terreiro da Joana D’Arc – A Rainha do Congo. Eu sem dormir sou um perigo.
Fui lá tirar satisfação com as “biscate”. Pus a mão na cintura e falei: “Olha aqui, suas quengas, tão rindo de quê?”. Elas murcharam igual flor depois de Finados. Recuaram as cagonas. Mulher bonita é assim mesmo. Tudo vazia. Bom é igual eu e a Lolosa. Somos lindas…. por dentro, vividas. Por isso que esse mundo tá assim: cheio de bolacha sem dono.
E aquela colega do olho de “vrido”? A mais nojenta. Vou comprar uma lente de “contrato” Se para ficar igual ela. Quero ver. Voltei para trocar um menino “cagado”. Papai Noel estava esquisito. Repuxava um olho, boca torta, falando como se tivesse um ovo na boca. A cara vermelha igual peru. Cheguei no ouvido dele e falei: “Plabo, o senhor está bem?”. E ele: “Heimmmmmm? Tá coçando minha língua”. Onde esse velho tinha enfiado a língua?, pensei. Ah, dane-se o Papai Noel. Coisa mais chata. Comi minha marmita no estacionamento: todo dia ovo e bife. Bem diferente das minhas costelas gordas para tira-gosto.
A tarde demorou a passar. Papai Noel esquisito. Foram uns 500 meninos naquele dia. Estava morta. Chegaram seis horas e “deitei o cabelo”, fui embora. Enfrentei mais uma viagem e cheguei no meu barraco com medo do ladrão. Mas não tirei Papai Noel da cabeça. Tenho impressão que o “Plabo” tá é pifando. Avisei a Lolosa e fui dormir com a Nininha aninhada. Esses 800 mangos de bico estava custoso de ganhar. Não vejo a hora de voltar para as minhas faxinas. Nelas pelo menos não tenho que lidar com velho gagá. No sábado ainda vou ter que entrar com ele num helicóptero para chegar no “shops”. Morro de medo. Vou rezar para São Jorge Guerreiro tirar a minha nhaca e nem quero pensar. Mas que Papai Noel estava mal, isso tava….
Luciene Garcia é jornalista e recebe a Lulu do Canavial num centro de macumba às quartas e aos sábados
Alguém da equipe escreveu, mas ficou com vergonha de assinar.